8
de outubro de 2015 | Esquerda Diário on-line
OPINIÃO
Pode a Rede de Marina
se constituir como
uma nova mediação de centro-esquerda?
Depois das
dificuldades para legalizar seu partido em 2014, Marina Silva conseguiu
finalmente a legalidade para sua legenda. Em poucos dias atraiu 5 deputados
federais, um senador e alguns deputados estaduais, vereadores e prefeitos pelo
país. A maioria dos recém filiados com cargos vem do PT, PSOL e PCdoB. As
figuras mais emblemáticas já atraídas pela ex-ministra de Lula e duas vezes
candidata a presidente foram o senador Randolfe Rodrigues (do Amapá, ex-PSOL),
Heloísa Helena oriunda do mesmo partido e o deputado federal Molon, do PT do
Rio de Janeiro.
Leandro
Lanfredi / Rio de Janeiro
A
atração do Rede Sustentabilidade de Marina abre interrogações se este novo
partido poderia ocupar um espaço político e eleitoral à centro-esquerda oriundo
da crise do PT que a direita tucana tenta, mas não pode ocupar facilmente, e ao
mesmo tempo por não estar ocorrendo ascensão do PSOL ou outra força de esquerda
para ocupa-lo. Neste artigo levantamos algumas possibilidades para este
desenvolvimento que pode ter grandes implicações na esquerda brasileira.
Os
20 milhões de votos de Marina, onde estão?
Marina
atraiu cerca de 20 milhões de votos nas duas vezes que concorreu ao cargo
máximo da República. Na primeira vez, concorrendo pelo PV obteve 19,9 milhões,
na segunda pelo PSB atingiu quase 22,2milhões de votos. Com exceção da capital
paulista Marina encolheu um pouco seus votos nos grandes centros urbanos do
centro-sul, mantendo mesmo assim uma expressiva votação, e cresceu
vertiginosamente no nordeste, com auxílio de uma campanha que explorava sua
imagem de “nortista” e da máquina montada pelo falecido Eduardo Campos do PSB.
No
maior colégio eleitoral do país, a capital paulista, passou de 1,334milão de
votos para 1,488milhões (quase 24% frente a 20%). No restante do Estado de São
Paulo, Marina cresceu dos 3,5milhão de votos em 2010 para 4,27milhões em 2014,
fazendo no total geral do estado alcançar mais de 25%. Esta interiorização do
voto de Marina expressou-se em 2014 em vários Estados, mesmo onde ela encolheu.
A
queda de Marina no Rio, BH, Brasília, Porto Alegre, aconteceu, porém manteve,
ainda assim, um elevado patamar de votação sobretudo no Rio e Brasília.
Na
capital carioca, Marina caiu quase cem mil votos, mas ainda assim obteve
expressivos 31%, ganhando na capital de Aécio e Dilma em um quase empate
triplo. No restante do estado do Rio de Janeiro a queda foi menos expressiva,
de somente 20mil votos, alcançando importantes 1,6milhão de votos.
No
Distrito Federal, Marina havia conquistado a eleição no primeiro turno de 2010,
caiu quase 50mil votos, ainda assim obteve impressionantes 35% que lhe deram o
segundo lugar, logo atrás de Aécio. Em Porto Alegre sofreu uma queda de
expressivos 38mil votos, terminando bem abaixo da média nacional com 13,8%. No
interior do estado, tal como ocorreu em São Paulo e no Rio, o resultado foi
diferente, subiu 45mil votos.
Em
Belo Horizonte e no Estado de Minas Gerais sua queda foi ainda mais expressiva,
caindo 320mil votos na capital e outros 415 mil no restante do estado. Esta
queda mineira explica-se não só pela tendência geral que mostrou uma queda
maior nas capitais do que no interior (ou mesmo crescimento no interior) mas
também porque em 2010 no primeiro turno Aécio não tinha se engajado plenamente
na campanha de seu rival tucano Serra, abrindo espaço para a campanha de
Marina.
O
maior crescimento de Marina foi no Nordeste, em Pernambuco saltou de 903mil
votos para 2,3 milhões. Na Bahia, cresceu 231mil votos, crescendo em vários
estados limítrofes a Pernambuco sob influência da máquina do PSB de Eduardo
Campos.
Quem
são os vinte milhões de Marina?
Marina
teve suas votações mais expressivas em três colégios eleitorais muito
diferentes: Pernambuco, Distrito Federal e Rio de Janeiro. Pernambuco aponta a
um fenômeno distinto, o peso de aparecer como “nortista” e todo apelo frente a
morte de Eduardo Campos, bem como o peso regional do PSB.
Os
resultados do DF e RJ, mesmo com suas quedas em 2014 frente a 2010, mostram uma
consolidação (“um piso”) de votos em setores de classe média, em trabalhadores
qualificados e do funcionalismo, em setores da juventude que já tendo feito
experiência com PT não tenham migrado ao PSOL ou ao voto nulo. A votação na
capital paulista, mesmo com menor proporção de funcionalismo público que a
atual e antiga capital federal, apontam a padrões de renda e escolaridade
similar em uma parcela de seu eleitorado.
Mas
só de classe média e funcionalismo não se explicaria 20% dos votos nacionais.
Marina também conseguiu atrair uma parcela dos votos de trabalhadores e setores
populares, seja pelo perfil de evangélica e não corrupta, ou mesmo porque ao
postar-se como “nem, nem” permite (apesar de seu programa) aparecer como uma
alternativa de esquerda.
Como
uma candidata de centro-direita pode ocupar ao mesmo tempo um espaço de centro-esquerda?
A
campanha de Marina foi a mais marcadamente neoliberal das três grandes
campanhas do ano passado. Atraiu votos em parcelas mais velhas da população e
no interior do país justamente com um discurso mais à direita. No entanto, a
percepção que amplos setores da população tem de sua trajetória política ainda
lhe conferem um ar de centro-esquerda apesar de seu programa e do esforço do PT
em ataca-la sistematicamente na última campanha. Uma parcela relevante, difícil
determinar “quantos porcento”, de seus votos nos grandes centros urbanos vota
nela como no mínimo uma continuidade dos programas sociais, sem o medo do
privatismo tucano (por mais que ela o defenda).
Isto
é ainda mais perigoso hoje em dia.
Com
o processo de rupturas com o PT há uma grande raiva com este partido, com
Dilma, com Lula. Para além das manifestações de rua e na internet da classe
média e setores abastados há um visível descontentamento que se sente nos
locais de trabalho e estudo e que misturam coisas que a elite dizia nos atos na
Avenida Paulista com um descontentamento com a crise, com os ajustes.
Setores
de esquerda não mostrarem, sistematicamente, a culpa do PT, de Dilma, de Lula
não só pela corrupção, mas pelo aumento no desemprego, nos cortes na saúde, na
educação, ajuda a setores de direita tentarem capitalizar o descontentamento
com o PT. Até os tucanos, Paulinho da Força (Solidariedade), DEM e outros
buscam surfar nestas rupturas. Marina pode fazê-lo com maior facilidade que
seus competidores à direita e mais tradicionais.
A
falta de um claro e hierárquico combate ao PT, a Dilma e Lula por parte da mais
expressiva esquerda no país, o PSOL, abre espaço para que Marina e sua Rede
possam ocupar com maior desenvoltura este espaço mesmo que tenham um programa
de centro-direita.
Marina
seu potencial e limites para emergir como terceira força
Em
tempos de crise do PT e tentativa de capitalização pela direita desta crise a
existência de uma “marca” de Marina como não sendo “nem PT, nem PSDB” lhe
habilita a, se desejar, poder trilhar um caminho mais “anti-PT” para buscar
capitalizar este processo.
Marina
fez isto no segundo turno chamando voto em Aécio e agora se distanciou de
tucanos como Aécio mantendo-se contrária ao impeachment. Porém, ano que vem
Marina deve percorrer estados e municípios buscando mostrar este perfil “nem,
nem” e fortalecer seus candidatos locais, nem que para isto tenha que adotar um
discurso mais anti-PT, o que pode permitir continuar a ocupar uma parte do
espaço de centro-esquerda que se abriu no país com a crise do PT.
Os
parlamentares que Marina atraiu até o momento são oriundos da centro-esquerda e
da esquerda do país. Isto lhe permitirá avançar a se postular neste caminho de
imagem de centro-esquerda em meio às rupturas com o PT, mesmo que seu programa
de governo seja de centro-direita. Porém esta combinação de perfil político de
centro-esquerda com programa centro-direita tem maiores contradições em 2015 do
que já tinha em 2014 e marca uma das dificuldades e contradições da emergência
da Rede como “terceira força”.
O
desenvolvimento de um anti-petismo à direita na classe média lhe pressiona mais
à centro-direita. O anti-petismo mais popular e o avanço na crise econômica, na
crítica aos ajustes pressionará seu partido a posições políticas que podem se contrapor
a seus financiadores de empresas bilionárias como o Itaú e a Natura, exigindo
se posicionar mais claramente em relação aos ajustes. Como o Rede e Marina
poderão conciliar esta dupla pressão?
Independente
das dificuldades para esta combinação, o elevado “piso” eleitoral de Marina lhe
habilita muito bem para encarar este desafio, e, ao mesmo tempo, ausência de
uma clara batalha contra o PT, Dilma e Lula por parte do PSOL
facilita o caminho da ex-ministra para ocupar uma parte deste espaço político e
eleitoral em disputa com o próprio PSOL que por mais que tenha um perfil mais
“esquerda” que “centro-esquerda” também busca adaptar-se a este espaço e colher
votos aí.
O
que explica Marina, parceira do Itaú ainda poder postar-se de “terceira via”?
Primeiro
um fator objetivo. Há uma clara disparidade nos ritmos com que setores de massa
se desencantam com o PT e como percebem a crise econômica. E mesmo aqueles que
percebem a crise e inclusive as greves que atravessaram as montadoras, vários
setores do funcionalismo, nos correios, graças a uma expectativa dos
trabalhadores que a crise será passageira, bem como a atuação das burocracias
sindicais para isolar estas lutas impede, por maior que seja o ciclo de greves,
que emerja uma conjuntura nacional das lutas dos trabalhadores.
As
respostas isoladas, e em geral derrotadas, facilitam a que exista um foço entre
o “sindical” e o “político”. A disparidade em ambos facilita aos governos e
patronais se imporem nas lutas no plano “sindical” que nunca se eleva a uma
“batalha de classe nacional” onde uma luta pode servir de exemplo a outras
categorias, como foram os garis do Rio em 2014, e respostas à direita da
independência de classe no plano “político”.
Produto,
mas também produtora desta “conjuntura partida” de politização e greves mas que
nenhuma motoriza a outra e eleva a outra, está a atuação da esquerda que se
reivindica socialista. Este segundo motivo, subjetivo, explica como Marina pode
ocupar este espaço sem grandes impedimentos.
A
atuação sozinha da esquerda que se reivindica antigovernista e socialista,
talvez não teria força para impor, por si só, alguma marca que sozinha
alterasse esta conjuntura, porém permitiria, nem que a nível de uma vanguarda
ampla de algumas centenas de milhares que esta politização avançasse a
classismo, a ativismo, que as lutas da classe trabalhadora fossem cercadas de
solidariedade na tentativa de ajudar a que triunfassem e marcassem um exemplo.
Esta
responsabilidade é sobretudo daqueles que tem maior responsabilidade por serem
os mais conhecidos de setores de massa, o PSOL e seus parlamentares, mas também
a "esquerda sindical" brasileira e sua maior corrente o PSTU e
CSP-Conlutas também poderiam cumprir um papel que não tem cumprido na luta de
classes se solidarizando com as greves, buscando contribuir para sua vitória, o
que implicaria em fazer muito mais que as importantes iniciativas pontuais como
foi o caso da manifestação nacional do dia 18 de Setembro.
Voltando
ao PSOL, a falta de foco na atuação partidária e parlamentar no combate ao
governo Dilma, ao PT e ao Lulismo não coloca este partido como um dos
principais interlocutores da grande insatisfação popular com o PT. E assim, não
cumpre um papel que poderia cumprir, dialogar com esta insatisfação e ajudar
que a mesma se desenvolva à esquerda, lutando tanto contra a direita como
contra Dilma e o lulismo-petismo.
Ao
contrário, o PSOL agora está em uma frente permanente com a CUT, CTB e MST.
O
PSOL não se postar como uma esquerda diferente, classista, oposta ao PT e ativa
para a vitória das lutas dos trabalhadores, pode permitir não ser
qualitativamente diferenciável aos olhos das massas de Marina e sua Rede (em
temas democráticos e direitos humanos sim) o que lhe dificultara o espaço
político e eleitoral. O preço disto será pago não só pelo PSOL mas por toda a
esquerda se passarmos a ter que disputar uma parte do espaço político com uma
“centro-esquerda” parceira do Itaú e da Natura.
Ainda
há tempo de corrigir rumos.
Toda
a esquerda que se reivindica classista e socialista deve dar uma batalha contra
este engrendro que combina centro-direita e centro-esquerda que pode estar se
formando no país. E mais que isto, para além das "polêmicas de
partido" e de textos, mostrar na atuação prática em cada luta importante
em curso no país uma atuação decidida por sua vitória. Mostrar duramente o
papel de Lula, de Dilma e do PT na crise que vivemos para ajudar a desenvolver
uma resposta à esquerda e independente tanto do governo como da direita.
Não
só das ideias corretas contra Marina e contra os ajustes de Dilma-Lula-Levy que
se formará uma esquerda classista viável no pais, mas quando esta
mostrar, na prática, a amplos setores dos trabalhadores porque ela merece
existir e ser apoiada.
As
greves e a politização estão aí para nos provarmos.________________________________
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